O que as suas escolhas dizem sobre você? Você realmente curte o que pensa que curte ou curte porque foi o que as redes sociais apresentaram para você (uma, cinco, dez vezes)? Suas músicas, suas roupas, suas viagens, sua comida — será que você teria optado por elas do mesmo jeito se não fosse a influência dos algoritmos que definem o que será exibido em sites e apps? Aquele chapéu panamá comprado no verão passado, por exemplo: você queria mesmo ou se deixou levar por uma narrativa online construída em torno dele? E aquela música que você jamais imaginou gostar e foi parar no seu top 5 de faixas mais reproduzidas depois de tocar no repeat sem que você pedisse?
Enfim, quanto do seu desejo é real e quanto é ditado pelas máquinas? Se já se pegou com um certo incômodo diante dessas questões, provavelmente experimentou um gostinho da ansiedade algorítmica. O termo vem sendo usado para nomear o sentimento de falta de controle que surge na convivência com os mecanismos de recomendação no meio digital. E eles estão em toda parte na internet.
Não que antes a gente não fosse influenciado ao fazer escolhas (pela família, pelos vizinhos, pelos amigos, pelos vendedores, pelas revistas de moda, por tudo que está ao redor). E não que a publicidade não trabalhe há tempos com a ideia de criar desejos no consumidor — e de repente aquilo que a gente nem sabia que queria se torna quase um “tem que ter”. Mas o negócio atingiu um outro nível nesses tempos em que a gente fica online boa parte do dia, imersos em uma tecnologia que se especializou em estimar o que pode interessar para cada um de nós.
É o que um artigo recente da revista New Yorker chamou de “era da ansiedade algorítmica”. “Assediados por recomendações automatizadas, somos deixados a adivinhar exatamente como eles estão nos influenciando, nos sentindo em alguns momentos mal percebidos ou enganados e em outros momentos cronometrados com uma precisão assustadora”, diz o texto. Ou seja, às vezes o algoritmo acerta na mosca; às vezes, parece errar feio; e nos dois casos lidar com esse mecanismo pode ser desconfortável.
De acordo com o dicionário, algoritmo significa, na linguagem da tecnologia e da informática, um “conjunto de regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas”. Ultimamente, virou sinônimo dos sistemas de recomendação que ajudam a classificar conteúdos.
A New Yorker lembra que eles existem desde os primórdios da computação pessoal, mas se difundiram com mais força no meio da década passada. Tomaram conta das redes sociais, substituindo os antigos feeds organizados por ordem de postagem. Estão também nos sites de busca, nos serviços de streaming, compras ou hospedagem, nos apps de mapas e em quase toda plataforma online que você conseguir pensar (fora aquelas que estão sendo pensadas justamente para fugir dessa lógica, como a Glass, de fotografia).
Pode parecer gostosinho navegar em um universo desenhado especialmente para você. De fato, há uma boa dose de conforto em, por exemplo, não ter que toda hora pular músicas desagradáveis. Mas o mundo dos seus sonhos talvez não seja o mundo dos seus sonhos. E ansiedade algorítmica pode ser um sintoma desse conflito. “O desejo humano é sempre um desejo de ‘outra coisa’. Tenho uma maçã e quero uma laranja. O deslizamento é a beleza de seu funcionamento. Sempre queremos outra e outra coisa”, diz o psicanalista Leonardo Goldberg, autor do livro O Sujeito na Era Digital. “O problema é quando o desejo é imobilizado, de forma quase viscosa, pela estrutura que oferta produtos que o apaziguariam. Isso joga o sujeito em uma dinâmica empobrecida, em um gozo meio preguiçoso e bastante repetitivo.”
Gostando ou não, hoje é difícil ver um filme, escolher um restaurante, comprar uma roupa online ou mesmo se deslocar por aí sem esbarrar com o tal algoritmo. Ele tornou-se algo tão onipresente que ganhou um status pop, quase folclórico, como uma entidade que está sempre por perto mexendo seus pauzinhos que, no fim das contas, mexem com a vida da gente. Na dúvida, culpe o algoritmo. É provável que você acerte.