Lugar de mulher é no teatro

Saudade de ir ao teatro, né, minha filha? Pois é, a gente ainda vai ter que esperar mais um tempo antes de voltar a assistir presencialmente a espetáculos. Tudo bem: por aqui nós vamos ajudar você a matar um pouco a vontade de assistir pertinho aos grandes nomes dos palcos, ok?

Uma das expressões mais antigas do ser humano, o teatro já passou por muitas transformações e enfrentou incontáveis obstáculos – a atual pandemia é apenas a mais recente dessas adversidades. O Renner Cultural sempre acreditou e apoiou a cena brasileira, em qualquer tempo – por isso, a gente não podia deixar de comemorar neste 27 de março o Dia Mundial do Teatro, que neste ano adquire um significado especial por conta da situação excepcional de isolamento social que estamos vivenciando.

A inauguração do Teatro das Nações em Paris em 1961 foi a data escolhida para marcar o Dia Mundial do Teatro. Convidamos você então para se acomodar no camarote do Renner Cultural e curtir os conteúdos que preparamos especialmente para festejar os 60 anos dessa celebração – com destaque para a presença feminina no palco porque, afinal de contas, março também é o Mês da Mulher.

Você sabia que durante séculos mulher não entrava em teatro – nem para sentar no público, muito menos para atuar no palco? Na Grécia clássica, os papéis femininos eram interpretados por atores com máscaras. No teatro elisabetano da época de Shakespeare, homens se travestiam para viver mulheres em cena; na plateia, elas não eram bem vistas, entrando disfarçadas para não serem reconhecidas.

Foi na rua que as mulheres começaram a participar de espetáculos teatrais, a partir do século 15, na Itália, com a chamada commedia dell’arte e suas representações ao ar livre. Ela certamente não foi a primeira atriz, mas entrou para a história como a pioneira mulher a atuar em um teatro: a francesa

Marquise-Thérèse de Gorla (1633 – 1668), conhecida artisticamente como Mademoiselle Du Parc, marcou época ao participar das trupes dos dramaturgos Molière e Racine ser cantada em versos por Corneille – os grandes nomes da cultura francesa de sua época. Foi para Du Parc que Racine escreveu a peça Andrômaca – e a atriz morreu como uma estrela consagrada, sendo um dos principais rostos da prestigiada Comédie-Française.

Por aqui no Brasil a situação não era melhor: a rainha Maria I de Portugal – conhecida como “a Louca” – promulgou no século 18 uma lei que proibia os papéis femininos nos teatros dos colégios, com a exceção apenas às santas virgens, evitando que a juventude tivesse “paixões precoces” ou que fosse “excitada ao devaneio”. Somente freiras, índias e mestiças podiam representar papéis em procissões e autos (composições teatrais de linguagem simples), acompanhadas de músicas e danças.

Com a vinda de D. João VI e da família real para o Brasil em 1808, os costumes se flexibilizaram e a vida cultural se modernizou, com a diminuição às restrições e a circulação pelo país de companhias de teatro e ópera estrangeiros, trazendo nomes de destaque na Europa como a atriz francesa Sarah Bernhardt (1844 – 1923). A diva dos palcos internacionais visitou o Brasil três vezes, sendo que a primeira turnê foi em 1886.

Estela Sezefreda dos Santos (1810 – 1874) é considerada a pioneira atriz de teatro do Brasil. Ao lado do marido, o ator e encenador João Caetano, foi uma das responsáveis pela profissionalização da atuação no país. A época em que o casal começou a atuar junto, na década de 1830, marcou a transição de um teatro de declamações monótonas para uma interpretação mais expressiva, ao estilo europeu. Diz-se que a atriz auxiliava João Caetano no ensaio de peças, indicando-lhe como extrair maior potencial dramático de cada papel. Em 1863, ano em que João Caetano morreu, Estela foi agraciada por D. Pedro II com o título de viscondessa.

Outra desbravadora dos palcos brasileiros foi a portuguesa Eugénia Câmara (1837 – 1874). A atriz, poeta, tradutora e autora teatral veio ao país em 1859

acompanhando o artista e empresário Furtado Coelho, instalando-se e atuando no Rio de Janeiro. Eugénia transferiu-se com a companhia Sociedade Dramática Nacional para Recife em 1863. Em 1866, começou um romance com Castro Alves, com quem viveu por dois anos um intenso relacionamento – foi para a atriz portuguesa que o poeta baiano escreveu o poema Gondoleiro do Amor. Ao lado do autor de Navio Negreiro, Eugénia conviveu de volta ao Rio com escritores como José de Alencare Machado de Assis. A vida romântica e aventureira de Eugénia foi contado no cinema em Vendaval Maravilhoso (1949), filme protagonizado pela diva portuguesa do fado Amália Rodrigues.

Essas atrizes que enfrentaram preconceitos e abriram caminhos para outras mulheres no mundo das artes no Brasil costumavam atuar tanto no palco quanto nos bastidores. É o caso de Ismênia dos Santos (1840 – 1918), considerada a matriarca do teatro nacional. A baiana iniciou sua carreira na companhia de Furtado Coelho – o mesmo empresário que trouxe Eugénia Câmara para o Brasil –, notabilizando-se nacionalmente tanto por suas memoráveis interpretações quanto por seu engajamento em questões políticas. Conta-se que em 1887, ainda na época da escravatura, Ismênia declamou poemas abolicionistas diante

de uma plateia em delírio no Theatro Santa Isabel, em Recife.

Casada com o ator Augusto dos Santos, Ismênia tornou-se também empresária teatral, fundando a Grande Companhia de Teatro de Variedades, responsável por sucessos dos palcos brasileiros na virada do século 19 para o 20 como as montagens O Barbeiro de Sevilha, Helena e Mariquinhas. Acompanhando pelos jornais a programação dos teatros parisienses, Ismênia produzia versões nacionais de peças francesas, apresentadas nas principais casas de espetáculo do país em primeira mão, geralmente com grande êxito de público e crítica.

Dificuldades, precariedades, preconceitos. Essas pioneiras dos palcos brasileiros encararam os desafios de sua época e confrontaram as restrições oficiais e religiosas para desbravar o caminho para as mulheres que as sucederam. Estela, Eugénia, Ismênia e tantos outros nomes que acabaram apagados das páginas da história são as responsáveis por existirem hoje

Fernanda, Nathalia, Marieta, Bárbara, Denise, Mel e tantas atrizes de talento.

Quer saber mais sobre as divas do teatro brasileiro? Então fique ligado aqui no nosso blog porque a gente está preparando um conteúdo especial sobre essas mulheres incríveis que nos fazem vivenciar com elas os mais diversos mundos e realidades por meio da sua arte. No Dia Mundial do Teatro, você vai conferir vídeos com depoimentos exclusivos de três grandes atrizes.

Tem mais: selecionamos uma lista com quase 30 espetáculos protagonizados por mulheres, que você pode assistir em casa, na tela do seu computador ou celular, gratuitamente. Aguarde!